30.3.09

desconcertante

quando notei que ele tinha sentado na mesma fila que eu, me mexi no meu lugar, tentando estar mais confortável. já tinha reparado naquela presença outros dias, nao era o primeiro filme que viamos em comum, e eu definitivamente já tinha percebido ele antes. o que me incomodou dessa vez foi a proximidade. ele sentou a poucos assentos de distancia, e eu realmente nao sabia como lidar com isso (internamente. nao havia nada para lidar, a nao ser comigo mesma). ele tinha uma presença dessas que atraem e repelem, que chamam e ameaçam, ao mesmo tempo. como quando se ve algo como uma pessoa nua: a vontade de olhar é inevitável, é natural, mas ao mesmo tempo nao, porque nao devemos ver, e por isso quase nao queremos ver. era isso. ele era tao incrivelmente lindo, e de uma beleza tao estranha, tao inusual, tao imprevisivel, que a vontade de olhar pra ele (por horas) era totalmente inevitável, mas ao mesmo tempo eu sabia que nao podia olhar, ou até mesmo que nao conseguiria. por isso, quando ele sentou a poucos assentos de distancia, eu me senti totalmente desarmada. olhava as vezes, fingia que nao olhava, parava de olhar, olhava de novo. e era incrivelmente estranho o que ele me fazia sentir, porque ele nao parecia normal em sentido nenhum: a beleza dele nao era normal, o jeito dele nao era normal, a solidao dele nao era normal, e a forma como ele me atraía era o menos normal de tudo. até que ele me olhou. nao passou o olhar por mim, como quem ve alguma coisa no caminho. me olhou de verdade, e manteve o olhar em mim. nao só em mim, mas no meu próprio olhar. e nao mudou de direçao, até depois de me constranger a ponto de eu virar a cara e nao saber o que fazer. e era um olhar tao forte, tao incrivelmente intenso e ameaçador, que eu nao podia aguentar por muito tempo, por mais que quisesse. a beleza e o olhar, juntos, me assustavam. a enorme e estranha presença dele me desconcertava. e esse desconcerto, esse quase-medo, esse interesse estranho, essa atraçao assustada, sao sentimentos tao grandes, tao incríveis, que é quase patético assumir que eu experimentei tudo isso com um completo desconhecido.